A minha avó Anastácia

Tenho o prazer de ter todos os meus avós vivos. A minha avó Anastácia, que eu sei que reza todos os dias por mim pelo facto de eu viver numa cidade como Lisboa, está doente. Muito doente. Quando eu era miúdo, acreditava que a minha avó tinha nome de rainha árabe. Depois apercebi-me que não, que era uma mulher que viveu a via-sacra de ter crescido e vivido num país pobre, como era Portugal nos tempos da ditadura. Não pode estudar além da quarta classe, apesar da intercepção da professora, porque os pais eram moleiros e não tinham como pagar os estudos. Depois de casar com o meu avô Francisco mergulhou num regime patriarcal de ferro, ou não fosse o meu avô GNR. Mas ela lá foi vivendo. E com o passar do tempo, a perene doença dos ossos foi corroendo o corpo dela. Continua a corroer a cada dia que passa. Como se não chegasse este problema, ficou cega de um olho e do outro pouco vê. Aliás, eu uso óculos por causa dos genes que ela me deu. Mas não me importo. Gosto muito da minha avó. Quando vou a Braga, uma das primeiras coisas que faço é ir àquela casa no bairro da Alegria dar-lhe beijinhos. Daqueles beijinhos que só os netos sabem dar às avós. Depois dos beijinhos, dou-lhe um pacote de biscoitos que compro na Regina Doce. Em troca recebo uma nota de dez euros. Ela fica convencida de que me deu o equivalente a cinco contos. Há três anos que é assim. Isto, Bárbara, para te explicar que um dia destes vou perceber o que é sentir a falta de alguém importante.

Rui

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